Um Filme de Maria de Ribeiro
“A ultima casa da rua” é um documentário sobre uma casa onde por 20 anos uma família se estruturou, de 1990 a 2011. Vinte Natais, mais de uma centena de festas de aniversario e quatro casamentos foram celebrados no numero 428 da rua Viúva Lacerda, em Botafogo, no Rio de Janeiro. Tudo devidamente registrado em fotos e filmes, uma historia particular que poderia ser a de qualquer pessoa. A decadência financeira, a velhice, e as perdas que a idade adulta inevitavelmente traz. Um espaço físico que era o “lugar no mundo” de trinta pessoas, dos proprietários aos seus filhos e netos passando por uma dezena de agregados, num Brasil onde empregados ainda moram em seus trabalhos, herança da escravidão que teimamos prolongar.
Tinha 15 anos quando mudamos para esse endereço. Minha mãe havia casado pela segunda vez e nos recuperávamos, meus irmãos e eu, do sentimento de abandono que meu pai havia deixado na família. A casa era grande e a perspectiva de refazer a vida embaixo do Cristo Redentor e rodeados pela Mata Atlântica era promissora. Assim foi: peladas com a camisa do Fluminense, festas, jantares, sabias, tucanos e macacos faziam parte do dia-a-dia. Um oásis de verde e silencio a cinco minutos da vida mais que urbana da rua Humaitá.
Tentei fazer um filme de ficção sobre a venda da casa. Quatro atrizes foram escaladas para dar vida a sensação de despedida, não só da casa em si, mas da adolescência e da segurança financeira e psicológica que uma casa/mãe daquele porte proporcionam. Com o tempo – foram seis meses de filmagens informais – me dei conta que não era possível dramatizar essa historia, e tinha um documentário diante de mim.
Assim como “Santiago”, de João Moreira Salles e “Porto da minha infância”, de Manoel de Oliveira, “A ultima casa da A Ultima casa da rua” é um filme de memórias, a ser narrado em primeira pessoa, quando o personagem principal é o próprio processo do filme, com seus erros e tentativas de ser uma historia inventada.
Também pretendo utilizar materiais de arquivo: “Tropa de Elite” teve cenas rodadas no jardim da casa, usada como cenário da festa dos universitários, e Domingos Oliveira gravou lá seu programa do Canal Brasil. Isso somado a vídeos caseiros, fotos e um diário dos últimos dias antes de entregarmos a casa, quando já não havia moveis e a piscina “verde” e descuidada já tinha sido deixada pra trás. Uma das cenas mais marcantes do ultimo dia de filmagem foi a desmontagem e retirada de um piano de cauda que ainda não tinha destino, mas que fora a mais forte trilha sonora da minha vida, com minha mãe tocando Chopin.
“A ultima casa da rua” era como explicávamos o endereço. Mas também foi o ultimo suspiro da minha inocência, e o que restou de um patrimônio que não sobreviveu aos novos tempos, mas que pode virar um registro emocionado de um Rio de Janeiro que não existe mais.
“Tolstói dizia que ao falarmos de nossa aldeia, do que nos é mais particular, chegamos ao mundo e nos tornamos universais. Minha casa da juventude se parece com a de todos, pois não estamos falando de um lugar físico – maior ou menor, mais ou menos imponente – e, sim, de um lugar psicológico: o amor que não acaba, o desconhecimento da finitude e a ausência de preocupações econômicas. Infância. Adolescência. O começo da vida. A rua Viúva Lacerda fica no tradicional bairro de Botafogo, logo abaixo do Cristo Redentor. É uma rua com casas tombadas, que tem resistido a especulação imobiliária. Ao falar de uma casa e de uma família, falamos também de uma cidade que não existe mais. Pretendo filmar no entorno: Cristo, Lagoa Rodrigo de Freitas, morro D. Marta, mostrando os contrastes do Rio e falando de uma elite decadente, tema pouco explorado, salvo o excelente “Santiago”, de João Moreira Salles, que deixou evidente o valor e a beleza de uma história absolutamente pessoal”.
Maria Ribeiro